Por que idade média em Gaza é de 17 anos?
0
Imagens de crianças mortas durante o conflito na Faixa de Gaza têm sido
um dos aspectos mais marcantes da atual ofensiva israelense.
Segundo a Organização das Nações Unidas, cerca de 400 crianças foram
mortas nos últimos ataques. A mídia também mostrou cenas de famílias com
muitas crianças, várias das quais ficaram desabrigadas.
Por trás disso, está o fato de Gaza ter uma das populações mais jovens e densas do mundo.
De acordo com o Index Mundi, banco de
dados que recolhe informação demográfica por país, 44% da população tem
menos de 14 anos e a média de idade no país é de 17, uma das mais baixas
do mundo.
"A razão imediata é que a taxa de fertilidade é
muito alta em Gaza e tem sido assim há muito tempo. Então a verdadeira
questão é: por que as famílias em Gaza têm tantos filhos?", disse à BBC
Jon Pedersen, pesquisador do Instituto de Estudos Demográficos da
Noruega, conhecido como Fafo.
A taxa média de filhos por família em Gaza é de
5,5, bastante elevada, mesmo se comparada com países da região: a taxa
da Jordânia é 3,3; na Síria, 2,5; e no Líbano, 2,8.
Esta tendência mantém-se mesmo no caso de mulheres com altos níveis de educação, contrariando o que ocorre em todo o mundo.
Mulheres em casa
Um fator que contribui para este elevado número
de crianças é que Gaza é também o lugar do mundo onde as mulheres
trabalham menos.
Apenas 5% das mulheres estão no mercado de trabalho, de acordo com Pedersen.
"É verdade que os países árabes têm tradicionalmente baixa
participação das mulheres no mercado de trabalho. A Jordânia, por
exemplo, tem 16%, o que é mais comum. Gaza é realmente um caso extremo."
Apesar do conflito com Israel, as famílias sobrevivem com um salário e as mulheres não têm de lutar com a dupla jornada.
Com menos aspirações profissionais, a família torna-se o foco da vida delas.
Um estudo realizado pela Universidade de Roma,
intitulado "Intifada, fertilidade e a educação das mulheres palestinas",
observa que "apesar dos níveis relativamente altos de educação das
mulheres em Gaza, poucas optam por ter uma carreira."
A alta taxa de fertilidade ocorre mesmo com acesso a métodos contraceptivos.
"Quando elas decidem parar de ter filhos, elas
fazem usos desses métodos, mas quando chegam a esse ponto é porque elas
já têm vários filhos", disse o pesquisador norueguês.
Mais crianças durante a intifada
A pesquisa da Universidade de Roma observa ainda
que durante os anos da intifada, na década de 90, o número de
casamentos e nascimentos chegou ao nível mais alto.
O estudo explica que, durante o levante, as
mulheres estavam até mais propensas a casar com homens de níveis
educacionais mais baixos.
A taxa de natalidade subiu para oito crianças
por família e, apesar de estar em queda desde então, ainda permanece
entre as mais altas do mundo.
Por outro lado, as famílias têm filhos seguidamente, com uma diferença de idade muito pequena entre um e outro.
Uma das hipóteses pela grande quantidade de
filhos é que, no fundo, acham haver um grande risco de algum deles
morrer no conflito com Israel.
"Ter mais filhos quando se sabe que há uma forte
possibilidade de que algum morra pode com certeza ser um senso
instintivo de sobrevivência", disse Pedersen.
Mas até que ponto a decisão de ter filhos é em resposta à ocupação israelense?
Pedersen observa que esta é uma outra hipótese
que está sendo avaliada. "Embora os dados não permitam concluir isso com
certeza absoluta, é possível que as pessoas queiram ter mais filhos
para superar os israelenses em números populacionais."
O estudo de 2006 sobre a fertilidade durante a intifada também levanta essa possibilidade.
"Se os altos níveis de fecundidade registrados
em Gaza durante os anos da intifada são uma resposta à opressão
política, isso não pode ser inferido a partir dos dados, mas é um
cenário provável", disse.
E também aponta que a reprodução é uma das poucas liberdades que sobraram aos palestinos.
As crianças mortas e desabrigadas pelo conflito
em Gaza mostram, sem dúvida, um dos aspectos mais devastadores do
conflito em Gaza. Mas, de acordo com estes especialistas, poderia também
ser um indicativo de seu instinto de sobrevivência como povo.
"Em uma situação onde impotência, baixa taxa de
emprego e marginalização deixa poucas oportunidades para expressar a
identidade, a reprodução é uma das poucas liberdades que eles têm e
também contribui para aumentar a população palestina", conclui o estudo
da Universidade de Roma.
Fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/08/140808_gaza_jovem_mes_kb.shtml