Julgamento de Morsi polariza egípcios

Yolande Knell e Wael Hussein
Da BBC News no Cairo

Os partidários de Morsi continuam a pedir seu retorno ao poder. Só que agora, a mesma multidão que se concentrava na frente da mesquita pode ser vista em uma feira semanal de carros, realizada em um estacionamento em Nasr.


Na feira, o assunto dominante não são os preços dos carros, mas o julgamento de Morsi, que começou nesta segunda e só segue no dia 8 de janeiro. O ex-presidente nunca mais foi visto em público e permanece preso pela Junta Militar que assumiu o poder.

Protestos de partidários de Morsi seguem em todo o país, especialmente no Cairo e em Alexandria. Apesar da prisão de seus vários líderes, a Irmandade Muçulmana diz que está reagrupando suas forças.

Por décadas, o movimento político sob inspiração islâmica foi mantido na clandestinidade. Com a queda do general Hosni Mubarak o grupo ganhou força e conseguiu eleger seu primeiro líder. O protagonismo foi efêmero e durou até o afastamento de Morsi.

Entre os que estão indignados com a remoção de Morsi do poder está o pedreiro Mohammed Nur, que pretende se juntar às manifestações pró-Morsi.

"Em primeiro lugar, isso foi um golpe e nosso papel é reverter isso, não interessa a qual custo. Dois dos meus melhores amigos foram mortos em confrontos com a polícia, e eu digo que não há volta depois de todo esse sangue derramado", ele diz.

"Nós faremos o nosso melhor para nos certificar que o julgamento não ocorra, porque o presidente Morsi não vai receber um tratamento justo. Tenho certeza de que ele não fez nada errado."

Julgamento justo?

No entanto, muito dos consumidores aqui têm visões bastante distintas e apoiam a decisão de julgar o líder islâmico. Alguns acreditam que ele incitou simpatizantes a enfrentar os manifestantes que foram às ruas protestar contra o seu governo no ano passado.

"Nosso sistema judicial é justo. Morsi cometeu vários crimes e muitas pessoas foram mortas sob seu comando. Ele merece ser condenado à morte", diz Heba Fathallah, um servidor público que estava no feirão com sua família.

"Eu fui às ruas em Alexandria no dia 30 de junho com meus filhos e netos. Eu estava extremamente feliz que Morsi foi derrubado depois de apenas um ano no cargo."

Ela também concorda com as duras medidas impostas pelo governo interino com o apoio do Exército e liderado pelo premiê Hazem el-Beblawi. As medidas proíbem as atividades da Irmandade Muçulmana e determinam a apreensão de seus bens.

"O governo de Beblawi tem todo o direito de repreender a Irmandade. Eles arruinaram o país. Eles querem trazer Morsi de volta e só vão conseguir isso sobre o meu cadáver", diz ela.

Tensão continua

Há grandes expectativas de que, nos próximos dias, a divisão entre os egípcios só vai aumentar, causando instabilidade.

A dona de casa Gamalat Abd al-Basir, uma idosa que mora na cidade de Giza, não gosta de falar sobre política hoje em dia.

"Ou você está do lado de Morsi ou do lado de Sisi", diz ela, em referência ao chefe das Forças Armadas, o general Abdel Fattah al-Sisi.

Como muitos egípcios, ela votou em Morsi nas eleições presidenciais, mas logo ficou decepcionada com o fracasso no combate aos problemas econômicos e sociais, em sua tentativa de "islamizar" o Estado.

"Agora estou apoiando o general Sisi em tudo que ele fez", diz Abd al-Basir. "Mas eu acho que gente demais foi morta dos dois lados."

"Eu sei que o que a Irmandade fez foi errado, mas não se pode livrar deles desta forma. É preciso achar uma solução. Eles precisam ser acomodados de alguma forma dentro do sistema."

Um engenheiro de cerca de 30 anos que passeia pela feira concorda com a dona de casa.

"Minha família tem medo de que os islamistas sejam esmagados e que eles voltem à clandestinidade, com atentados a bomba em shoppings e mesquitas", diz ele.

"É preciso criar uma abertura para eles. Nós deveríamos deixá-los continuar com as atividades de caridade, ajuda aos pobres e ensino nas mesquitas, mas sem participar da política".

O engenheiro está vendendo seu carro por conta da crise econômica.

Como muitos trabalhadores egípcios, ele agora quer se mudar para o exterior. Ele fez um pedido por visto de trabalho no Catar, mas foi rejeitado.

"Haverá mais loucura", diz ele, com bastante pessimismo. "A vida no Egito se tornou horrível."

Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/11/131102_egito_julgamento_morsi_mm.shtml

0 comentários :