Adeus Milagre!
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“Chaque fois qu’un avion est beau, il vole bien”
Marcel Dassault
A frase do criador do caça conhecido por sua asa em delta já
anunciava: por décadas, o nome "Mirage" estaria associado a uma
aeronave linda, e eficiente. Para os rivais, mortal. O lema dos projetistas:
"O inimigo poderá vê-lo, mas jamais alcançá-lo". O Mirage III, uma
lenda da aviação, e posteriormente seu "irmão mais novo", o Mirage
2000, fizeram a pacata cidade de Anápolis, a 130 km de Brasília, ser desde
1973 a casa de uma elite de aviadores brasileiros, os únicos a superarem a
barreira de duas vezes a velocidade do som, uma característica necessária à
missão de defesa aérea. Mas essa história acaba no dia 31 de dezembro deste ano.
Adquiridos da França já usados como uma solução temporária para a aviação de
caça de alta performance no Brasil após a desativação dos Mirage III, os Mirage
2000, batizados por aqui como F-2000, serão desativados.
O "Covil dos Jaguares", como é chamada a Base
Aérea de Anápolis, passará a ser guarnecida por caças F-5EM de outros
esquadrões da Força Aérea Brasileira, que vão cumprir o alerta de defesa aérea
mantido nas 24 horas de cada um dos 365 dias do ano. Enquanto isso, o 1º Grupo
de Defesa Aérea ficará sem aviões. Com um efetivo menor, serão mantidos apenas
seis aviadores, que terão a missão de se manterem preparados para futuramente
estarem no grupo que irá receber a nova aeronave de combate. Para "manter
a mão", eles também vão cumprir horas de voo em caças F-5EM, que passarão
a ser os únicos supersônicos em operação no Brasil.
Em questão de idade, os Mirage 2000, fabricados no início da
década de 80, são um pouco mais modernos que os F-5, recebidos pela FAB a
partir de 1975. Mas após a modernização realizada na Embraer, os F-5E foram
elevados ao padrão F-5EM (M de Modernizado) e se tornaram tecnologicamente
superiores. Eles têm agora sistemas que permitem combate além do alcance
visual, comunicação de dados (datalink) e até um sistema de mira montado no
capacete.
Por outro lado, os F-2000 têm características superiores em
áreas essenciais para a defesa aérea: têm um alcance maior, voam mais alto e
são mais rápidos. Enquanto um F-5EM não passa de 1.700 km/h, ou
aproximadamente 1,64 vezes a velocidade do som, um Mirage pode acelerar até
2.300 km/h, o chamado Mach 2,2. Quando se analisa só o critério velocidade, a
partir do dia 31 de dezembro o Brasil perderá uma capacidade que, no cenário da
América do Sul, está presente nas Forças Aéreas da Argentina, Chile, Colômbia,
Equador, Peru e Venezuela. Todos estes países possuem aviões que alcançam Mach
2.
A FAB reconheceu essa capacidade com a prorrogação da vida
útil dos Mirage. O contrato com os franceses previa mil horas de voo para cada
um dos 12 F-2000 recebidos a partir de 2006, sendo 10 monoplaces, para um
piloto, e dois biplaces, para dois pilotos, utilizados em missões de
treinamento. Pelo plano inicial, os jatos iriam parar no final de 2011. Com
alguns ajustes, seis Mirage foram poupados para conseguirem permanecer em voo e
com os seus equipamentos – radar, armamentos, sistemas eletrônicos – em pleno
funcionamento até o final deste ano. Mas agora o tempo chegou ao seu limite e
os caças vão sair de operação ainda sem um substituto com as características
necessárias.
“Não é o ideal. Vamos fazer o melhor possível”
O assunto acabou chegando ao Congresso Nacional. Em agosto,
as Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional do Senado e da Câmara
convocaram o Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro Juniti Saito, para
uma audiência pública. Apesar de mostrar tranquilidade no cumprimento da
missão, o Comandante - que nas décadas de 70 e 80 foi piloto de F-5 - não
escondeu a necessidade de o Brasil adquirir um novo caça. O Brigadeiro foi
enfático ao ser questionado como ficará a defesa dos céus do Brasil."Não é
o ideal. Vamos fazer o melhor possível", declarou.
A FAB possui 46 F-5 modernizados que operam a partir do Rio
de Janeiro, Manaus e Canoas (RS). A frota da aviação de caça é completada por
três esquadrões de turbohélices A-29 Super Tucano e mais três esquadrões com
jatos subsônicos A-1, também em processo de modernização e voltados para
missões de ataque ao solo. O projeto F-X2 prevê que a futura aeronave
substitua inicialmente os F-2000 e posteriormente novas encomendas sejam feitas
para aposentar os F-5 e A-1, jatos que já voam na Força Aérea Brasileira desde
as décadas de 70 e 80, respectivamente.
A chegada de novos caças depende agora da Presidência da
República. Como assessoramento, em 2011 a Comissão Coordenadora do Programa
Aeronave de Combate (COPAC), órgão do Comando da Aeronáutica, concluiu um
relatório que aponta três aeronaves como satisfatórias para requisitos
estabelecidos pela FAB: o Boeing F/A-18 Super Hornet, o Dassault Rafale e o
SAAB Gripen NG (por ordem alfabética dos seus fabricantes).
Com mais de 28 mil páginas distribuídas em 121 volumes, o
relatório é a finalização de um processo iniciado há 18 anos, quando foram
elaborados os primeiros requisitos para a compra de novas aeronaves de
combate. Além de desempenho, também há considerações de aspectos como
compensações comerciais, transferência de tecnologia, logística e participação
do parque industrial brasileiro. "O foco principal desse projeto não é só
comprar um avião de prateleira, e sim desenvolver junto com o parceiro escolhido
uma tecnologia nacional", explicou o Brigadeiro Saito.
A expectativa é que o contrato proporcione um salto
tecnológico à indústria nacional. Foi o caso do próprio jato de ataque A-1,
desenvolvido no início da década de 80 com uma participação minoritária da
Embraer em um projeto de empresas italianas. Os conhecimentos adquiridos
permitiram que a Embraer desenvolvesse a família de jatos de transporte
regional que são atualmente exportados para todo o mundo. Para o F-X2, o plano
é absorver tecnologias ainda inéditas por aqui, tanto em termos de estruturas
quanto de tecnologia de bordo.
Mas o tempo não corre de maneira favorável aos planos de
pilotos, engenheiros e economistas. O processo de aquisição de um novo caça é
lento. A Tailândia, por exemplo, só recebeu em 2011 os seus primeiros caças
Gripens de um contrato assinado em 2008. O mesmo ano da chegada dos F-18 Super
Hornet australianos, encomendados em 2007. Antes do primeiro caça tocar o solo
do país comprador, há ainda o envio de militares para treinamento no exterior,
pois é necessária a formação nas novas tecnologias que uma aeronave mais
moderna irá trazer.
Fonte: http://www.defesanet.com.br/fx2/noticia/13112/Pobre-FAB----ADEUS-MIRAGE-/